A pergunta que me ocorre sempre que tenho de licenciar um projecto fora do meu “concelho normal de acção” é o porquê da não uniformização dos processos de aprovação a nível nacional? Podemos iniciar este debate pela simples organização dos processos de arquitectura. Numa determinada Câmara do Norte do país pedem-nos um corte da fachada virada para a via principal, noutro muito perto três exemplares de todo o processo sendo um deles em papel vegetal, ali a vinte minutos temos de entregar uma disquete da planta de implantação, sim leram bem uma disquete, o meu computador já nem aceita disquetes, perguntei se podia ser em cd, dvd ou por e-mail a resposta foi negativa porque o regulamento da referida câmara dizia muito claramente disquete. Para terminar numa Câmara muito perto do Porto perguntaram-me pela “capinha” do processo. Julguei estar perante uma brincadeira da pessoa que me atendia, mas não, naquele concelho todos entregam os processos de arquitectura em capinhas. (…)
Transcrevo parte de um comentário deixado em sequência do anterior texto O grande licenciador, onde o poderão ler na totalidade em conjunto com diversas reacções sobre as muitas complexidades que rodeiam o licenciamento municipal. A pergunta deixada sobre a não uniformização dos processos de aprovação a nível nacional merece, pela minha parte, este destaque. Ocorre-me apenas que, entre nós, o mais elementar bom senso não é garantia de unanimidade. Concordo que existe um caminho a ser feito pelos profissionais e pelas ordens que nos representam. Fica a leve esperança de que possamos estar a contribuir para dar os primeiros passos na direcção certa.
A edificação tem impactos muito variados sobre o ambiente. Na escolha de materiais e processos construtivos estabelecem-se consequências quanto a métodos de extracção dos seus componentes, aos mecanismos da sua transformação, a gastos de energia e emissões associadas, e posteriormente quanto a requisitos de manutenção, demolição, reciclagem. No entanto, raras vezes essas preocupações são consideradas por aqueles que promovem os edifícios ou pelos técnicos que os projectam. O ambiente construído é um bem relativamente duradouro. A maioria dos edifícios dura muitas décadas, tornando-se importante considerar desde o início o seu longo ciclo de vida. As decisões de projecto não devem por isso reflectir apenas a tentativa de minimizar os custos iniciais da construção, pois vão afectar os consumos de energia que dela vão resultar, a sua capacidade de resistir aos factores de exposição natural e envelhecimento; e até quanto à sua adequabilidade a novos usos não previstos. A questão da energia é, de todas estas, uma das mais prementes e ameaçadoras para a manutenção de uma boa qualidade de vida. A pressão exercida pelo preço dos combustíveis, as flutuações na oferta e as considerações ambientais que lhe estão associadas fazem com que também na arquitectura este seja um tema merecedor de crescente atenção. Os edifícios consomem uma boa fatia da produção energética de cada país. Melhorar a eficiência dos edifícios quanto ao seu aproveitamento é por isso um objectivo que ninguém pode descurar. A adequação do desenho de um edifício a características que proporcionem uma melhor eficiência energética não requer necessariamente o aumento significativo de custos de construção. Muitos dos princípios que hoje se categorizam no âmbito da sustentabilidade reflectem preocupações de relação com o território sempre presentes na arquitectura. Mas exige-se hoje que essa prática não dependa apenas de uma intuição empírica, traduzindo-a tanto em conhecimento técnico sistematizado como numa maior exigência quanto aos padrões de qualidade que tutelam a indústria da construção.
A Casa DT, situada em Oeiras, é um exemplo interessante de um projecto que reflecte na sua base muitas destas preocupações. Projectada pelo arquitecto Jorge Graça Costa, trata-se de um objecto compacto que integra tecnologias de construção acessíveis com soluções de desenho adequadas ao enquadramento local, às suas características de exposição e clima. Este jovem arquitecto português interessou-se desde cedo pela importância da sustentabilidade e eficiência energética em arquitectura. Desenvolveu um trabalho de investigação na área da arquitectura bioclimática, sendo igualmente premiado em diversos concursos nacionais e internacionais. Destaca-se, como mais notável, a medalha de ouro recebida em 2005 no concurso internacional de design promovido pela Fundação Japonesa de Design - exactamente sob o tema «Energy – Sustainable and Enjoyable Life». O projecto da Casa DT demonstra bem como a eficácia energética resulta não tanto da exibição de meios – tecnológicos ou materiais - mas da sua capacidade em responder racionalmente às muitas exigências que a vivência humana lhe coloca. A casa está implantada num topo de colina com vistas desafogadas sobre a paisagem, o que permite explorar a relação de vistas e o contraste entre espaços sociais (nível inferior) e espaços privados (nível superior) – conjugados em dois volumes que se destacam e servem de motivo à composição. Tomando por base a configuração regular do lote, o edifício acaba por definir-se como objecto simples e compacto, sobressaindo a expressão da estrutura visível e a diferenciação de materiais utilizados. O desenho reflecte preocupações de utilização racional da energia quanto à relação do volume interior de ar e ao funcionamento passivo do edifício no aquecimento e arrefecimento, sem dependência regular de tecnologias activas para manter níveis de conforto satisfatórios. A iluminação natural é potenciada pelas aberturas mais generosas que servem o piso térreo, onde se localizam as zonas de maior permanência, e a iluminação artificial assenta em sistemas de baixo consumo. Dos traços de concepção da arquitectura à definição adequada de soluções complementares mais específicas, a Casa DT demonstra que é possível conjugar as particularidades locais a materiais e tecnologias contemporâneas, garantindo a coesão entre bom desenho e bom conforto humano. O resultado é notável pela simplicidade, sentido de economia e racionalidade na gestão de recursos, em respeito pelos valores maiores da sustentabilidade ambiental que a motivam.
Jorge Graça Costa: DT House The act of building has multiple impacts on the environment. There are many consequences to the kind of constructive processes and components applied in architecture: from the extraction of raw materials, transformation and manufacturing impacts, to energy costs and associated emissions, following to requirements on maintenance, demolishing, recycling. And yet, often, these factors are not considered by those who promote buildings or by those who design them. The built environment is a long-lasting resource. Most buildings survive for many decades. Therefore, it is important to consider that long life-span, right from the beginning. Design decisions shouldn’t reflect a simple attempt to minimize initial construction costs; since those decisions will affect its future energy demands, its resistance to aging and other natural factors, its adaptability to alternate, unpredicted uses. Energy is a pressing issue regarding the maintenance of a good standard of living. Fuel prices, fluctuations in demand, environmental implications, are among the many factors that have contributed to a new global awareness. Since buildings absorb a great deal of every country’s energy production, architecture is now becoming a central discipline in the debate for sustainability.
The DT House is an interesting example of applied energy-efficient principles in architecture. Designed by Jorge Graça Costa, it’s a simple, compact object that integrates accessible construction technologies with smart design solutions. This young portuguese architect was soon interested by the implications of sustainability and energy efficiency in architecture. He developed an investigation practice in the field of bio-climatic architecture, receiving several awards for national and international competitions. Most noticeably, he won a gold medal for his participation in the International Design Competition Osaka 2005, promoted by the Japan Design Foundation under the theme «Energy – Sustainable and Enjoyable Life». The DT House project was built on top of a hill, benefiting from open views over the surrounding landscape. Its composition explores the contrast between the social areas of the lower level and the private areas located on the upper floor. These result in distinctive volumes that are enhanced by the visibility of its structure and the different materials applied as external texture. The design reflects the requirements of rational energy use, integrating solutions of passive cooling and heating as an alternative to more active, energy-dependent technologies. Natural lighting is also enhanced to better serve the lower level, where the social, collective functions, are located. Artificial lighting is supported by low consumption systems. From the architectural design to the adequate definition of particular solutions, the DT House shows that it’s possible to integrate contemporary technologies and sustainable design solutions – good design as the support to good human comfort. The result is remarkable for its simplicity, sense of adequacy and economy, respecting the greater values of environmental sustainability that served as inspiration.
Os blogs pessoais são, de facto, como as pessoas. São afligidos por toda a espécie de flutuações e estados de espírito. O ano terminou com uma nota feliz. Fui recentemente recompensado com um segundo lugar na escolha de Melhor Blog Português 2007, na categoria de design. Ao olhar para este último ano de blogging, parece-me ter sido bastante irregular. Por mais que goste de o fazer, a vida por vezes encontra formas de se meter pelo meio dos meus planos. Ainda assim aconteceram coisas interessantes. Talvez o mais empolgante tenha sido a oportunidade de participar na Trienal de Arquitectura de Lisboa, que providenciou algumas experiências enriquecedoras bem como vários meses de agitação. Tive igualmente a satisfação de me ver incluído na lista do Eikongraphia MoPo 2007, o que me motivou a inclusão de textos em inglês – algo que estava a considerar há já algum tempo. Mas a surpresa maior terá sido o convite para uma entrevista endereçado pelo Pedro Rolo Duarte. Foi uma oportunidade para conversar sobre alguns dos temas que por aqui vão passando, desta vez numa plataforma bem diferente. Quatro anos passaram desde que comecei A Barriga de um Arquitecto com uma das minhas frases preferidas do Richard Feynman. Tem sido uma viagem longa e cheia de peripécias. E no entanto, não consigo deixar de pensar numa outra das suas referências sábias: «O princípio mais importante é que não te deves iludir a ti próprio – e tu és a pessoa mais fácil de iludir». Assim começo este novo ano com o desejo de tornar este blog maior e melhor, e com aquele anseio habitual em refazer o template, todo de novo outra vez.
Four years Personal blogs, I suppose, are like people. They’re afflicted by all sorts of moods and floatations. The year ended on a happy note, as I was recently rewarded with a second place on the Best Portuguese Blogs 2007 competition – design category. As I look back to this past year of blogging, it seems to me that it was highly irregular. As much as I love this blog, life sometimes gets in the way. Still, interesting things happened in 2007. Most noticeably, I took part on the Lisbon Architecture Triennale, which provided an enriching experience and a few hectic months as well. I was also fortunate enough to be enrolled in Eikongraphia’s MoPo 2007, encouraging the inclusion of english posts - something that had been on my mind for a while. But the year’s most surprising occurrence was probably the invitation for a radio interview (portuguese only) addressed by Pedro Rolo Duarte. It was an opportunity to talk about some of the issues that have been at the heart of this blog, this time on a different platform. Four years have passed since I started The Belly of an Architect with one of my favourite quotes by Richard Feynman. It’s been a long and enriching journey all along. Still, I can’t help thinking about another of his wise references: «The first principle is that you must not fool yourself - and you are the easiest person to fool». And so I begin this new year with the wish to make it bigger and better, and that seemingly ongoing urge to change the template, all over again.
Decorre na Cinemateca o ciclo “O Lugar dos Ricos e dos Pobres no Cinema e na Arquitectura em Portugal”. O evento vai estender-se até Março de 2008 e conta com a colaboração do Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. A próxima sessão é já esta Sexta-Feira, 21 de Dezembro às 21:30, com a exibição do filme Peixe Lua de José Álvaro Morais, seguido de debate que contará com as presenças de Luís Miguel Cintra e do Arq. João Luís Carrilho da Graça.
O LUGAR DOS RICOS E DOS POBRES NO CINEMA E NA ARQUITECTURA EM PORTUGAL de Outubro de 2007 a Março de 2008 Em colaboração com o Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
Desde sempre no Cinema, como no mundo - nos quartos, nas casas e nas cidades -, os ricos e os pobres tiveram os seus lugares, mais ou menos nítidos: da fábrica de onde saem os operários dos irmãos Lumière ao Xanadu do CITIZEN KANE; dos "lugares de miséria atrás de magníficos edifícios" dos olvidados de Buñuel à Paris dos burgueses discretamente encantadores; da vila dos pescadores de LA TERRA TREMA às villas das condessas, reis e príncipes de Visconti; dos albergues dos pobres de Preston Sturges aos hotéis de luxo de Lubitsch; dos borgate dos sub-proletários de Pasolini aos subúrbios das famílias remediadas de Ozu; das ruas da vergonha de Mizoguchi aos becos e ruelas do ANJO AZUL; da casa da mãe siciliana de Huillet e Straub à Versalhes do Rei Sol de Rossellini; das roulottes dos lusty men de Nicholas Ray à FAT CITY de John Huston; do quarto alugado da rapariga da mala de Zurlini ao palácio dos seus amantes; dos lugares dos criados e dos senhores de Jean Renoir a todos os lugares de Chaplin... Qual tem sido, em Portugal, o lugar dos ricos e dos pobres no Cinema? Qual vai sendo o lugar dos ricos e dos pobres na Arquitectura? Como é que o Cinema pensa e olha essa Arquitectura? Pode a Arquitectura pensar e construir-se também a partir desse Cinema? Foram estas questões que levaram o Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da U.T.L. a propor à Cinemateca Portuguesa a realização de um Ciclo de doze filmes, a exibir quinzenalmente entre Outubro de 2007 e Março de 2008. Escolhidos pelo Núcleo, estes são alguns dos filmes mais marcantes que se fizeram em Portugal nos últimos cinquenta anos e, ao mesmo tempo, filmes em que este assunto se encontra reflectido de forma sempre preponderante: dos VERDES ANOS, de Paulo Rocha, à JUVENTUDE EM MARCHA, de Pedro Costa, do BELARMINO, de Fernando Lopes, às RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA, de João César Monteiro, dos TEMPOS DIFÍCEIS, de João Botelho, ao PEIXE LUA, de José Álvaro Morais, dos BRANDOS COSTUMES, de Seixas Santos, ao AGOSTO, de Jorge Silva Melo, de UMA RAPARIGA NO VERÃO, de Vitor Gonçalves, a TRÁS-OS-MONTES, de António Reis e Margarida Cordeiro, de LONGE DA VISTA, de João Mário Grilo a O PASSADO E O PRESENTE , de Manoel de Oliveira. E, para continuar o que este Núcleo procura fazer desde que surgiu, em 2005, – aprofundar as relações entre o Cinema e a Arquitectura – o realizador de cada filme, sempre que possível, estará presente no fim de cada sessão para conversar com o público e com um arquitecto convidado, cujo trabalho, reconhecido, tenha passado também, e hoje muito nitidamente – como sempre? –, por pensar e projectar os lugares dos ricos e dos pobres em Portugal.
José Neves, Arq. Coordenador do Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
Numa nota mais leve, eis que dou por mim nomeado para Melhor Blog Português de 2007 na categoria de "Design". Fico num misto de alegria e estupefacção. Design? Parece-me que gostam mais do meu aspecto do que do meu cérebro. Estou a imaginar por aí muito boa gente a rir às minhas custas. Que seja. À falta de categoria mais específica para arquitectura, não há que vacilar. De resto pareço estar em boa companhia. Ficamos por aqui à espera dos resultados finais do júri. Ó xôr Markl, já agora, sou seu fã e tenho-o na lista há muito tempo. Meta lá uma palavrinha, ó fáxabor... :)
MBP07 On a happy note, I find myself nominated for Best Portuguese Blog 2007 on the category of “Design”. I’m having mixed feelings of joy and astonishment. Design? It seems that I’m more appreciated for my looks than for smarts. I can imagine a lot of people laughing at my expense. So let it be. Since there’s no specific category for architecture, I’ll take it with grace. Anyway, I seem to be in good company. Let’s wait for the jury’s final call, then.
O Dever da Verdade não é apenas mais um retrato da situação económica e social portuguesa. É antes um documento que carrega o peso da realidade inescapável de um país à beira de enfrentar a sua verdade histórica. O livro de Medina Carreira com Ricardo Costa é supreendentemente pequeno. O formato, em misto de diálogo e entrevista, pode fazer passar a ideia de estarmos perante um trabalho de interesse meramente jornalístico, de pouca consequência. Puro engano. Trata-se de um livro lúcido e certeiro, despido de obsolescências. Tudo é substância. E a substância que nele se encerra é o alerta desassombrado sobre a nossa verdade, vedada dos olhos do público pelo soundbyte mediático e vários ciclos de discurso político anestesiante. A “verdade” de Medina Carreira é que não atravessamos uma crise. Não percorremos sobre qualquer ondulação transitória, normal em economia e recorrente na história das sociedades. Estamos, assim, numa situação mais profunda, cujas raízes se entranham no nosso processo histórico, na herança salazarista, no processo democrático débil, na delapidação de fundos da UE, na repetição de erros políticos, na trágica perda de oportunidades. A situação, afinal, somos nós. Aquilo que a política tenta travestir como crise é um processo de decadência continuada, política e financeira, cujos efeitos se começam a sentir em sintomas diversificados de desagregação social. O que está aqui em causa não é mais uma questão meramente ideológica ou partidária – daquilo que gostaríamos de ter ou ser – mas daquilo que podemos fazer face à realidade insustentável que nos cerca. Poderá dizer-se que a “verdade” do retrato testemunhado por Medina Carreira não é absoluta ou dogmática. Que ela encerra margem de erro, de incerteza. Agora o que não pode ser dito, com honestidade intelectual, é que a verdade pode ser isto ou o seu contrário. Entendo por isso que o desassombro deste livro despido de retóricas – tal a força dos factos e dos números – é um testemunho de verdadeiro patriotismo. Que nos coloca perante escolhas – entre a ilusão do discurso transitório e a assunção de uma cidadania avançada capaz de enfrentar os problemas e as dificuldades que nos reserva o futuro próximo.
O Livro Verde para a mobilidade urbana é um documento recentemente editado pela Comissão Europeia, de leitura muito recomendável. Ficam, para já, as ligações essenciais.
Todos gostam de uma boa nave espacial. De ultra-velozes caças galácticos a enormes cruzadores interplanetários capazes de navegar a velocidade warp e saltar para o hiperespaço, a ficção científica ofereceu algumas das mais fantásticas criações alguma vez concebidas pela mente humana. Sunshine, de Danny Boyle, contém um dos exemplos mais audazes: uma nave projectada para alcançar o Sol. O conceito provocou alguma excitação entre os aficionados da sci-fi e ainda que o filme proporcione uma espectacular odisseia visual, fica infelizmente marcado por questionáveis opções de argumento que destroçaram o que poderia ter sido um clássico instantâneo. Esqueçamos por isso que há um filme pelo meio e mergulhemos apenas nos muitos pormenores da fabulosa nave Icarus II.
A parte mais marcante da nave consiste no escudo reflector solar. Com cerca de quilómetro e meio de diâmetro, trata-se de uma estrutura circular que protege o corpo da nave do intenso calor e radiação. Por detrás desse grande disco dourado situa-se uma outra estrutura secundária, de forma cúbica, que contém uma bomba estelar concebida para re-acender o Sol. À boa maneira da ficção científica, a nossa estrela preferida está a sofrer um fenómeno de disrupção provocado por um núcleo supersimétrico, também conhecido como uma Q-Ball. Uma vez que não faço ideia do que isso seja, resta-me confiar na palavra do consultor científico do filme. Trata-se do Dr. Brian Cox, um proeminente físico do CERN, caso se estejam a questionar. O restante corpo da nave contém as funções humanas e os sistemas de suporte à vida. A Icarus II revela uma conjugação interessante de contrastes e escalas e o seu desenho demonstra uma quase obsessiva atenção ao detalhe. Espaços como a ponte de comando e os quartos da tripulação, tal como os seus longos corredores, são relativamente evocativos da icónica Nostromo do filme Alien. A Sala Estanque (Airlock) parece extraída directamente do clássico 2001. As restantes áreas, no entanto, são surpreendentemente originais.
Apesar das suas fraquezas, Sunshine é um trabalho admirável de design de produção. O filme toma algumas liberdades científicas, principalmente no que respeita à poderosa atracção gravitacional do Sol. No entanto, oferece uma forte sensação de viagem e o mais impressionante retrato do Sol alguma vez visto num ecrã. É exposto em toda a sua beleza e poder, a grande fonte de toda a vida na Terra, no entanto tão destrutiva, tão intangível em si mesma. Um dos espaços mais interessantes de Icarus II é a Sala de Observação. Não existem, de facto, quaisquer outras janelas na nave. Mas este compartimento contém um enorme painel-ecrã com um mecanismo ajustável de filtragem de luz, que permite a observação directa da fotosfera. Este espaço é central à narrativa e oferece alguns dos momentos mais espectaculares do filme.
A denominada Sala da Terra é outro compartimento apelativo. É, na verdade, um cubículo de realidade virtual que oferece uma projecção de imagem imersiva. A sua textura e design minimal apresentam um contraste vincado com a anterior Sala de Observação; este último sendo um espaço físico ilimitado e o primeiro um lugar muito mais interiorizado e psicológico.
A Sala de Oxigénio, também denominada como Jardim de Oxigénio, é possivelmente o lugar mais detalhado do filme. Os mais cinéfilos lembrar-se-hão das estufas artificiais da nave Valley Forge, do clássico de 1972 Silent Running, como referência. Na Icarus II, este compartimento está concebido para recarregar os níveis de oxigénio da nave e providenciar novas reservas alimentares para a tripulação. Contém um conjunto de contentores hidropónicos com uma rede de plantações e um sistema auxiliar de circulação de ar. O filme, infelizmente, não explora suficientemente este ambiente como elemento mais intenso da narrativa. É o único lugar onde a natureza está presente sob alguma forma. Esta espécie artificial de construção viva constitui o contraponto essencial para a qualidade hostil do Sol, e poderia ser o seu equivalente psicológico na viagem. Mas concedo que talvez seja apenas um efeito da minha cinefilia mais melancólica. Assim, deixo-vos com um pequeno clássico, o filme de apresentação do referido Silent Running de Douglas Trumbull, para uma outra viagem cataclísmica pelo espaço sideral.
Solar spaceship Everybody loves spaceships. From ultra fast space-fighters to huge warp-speeding hyperspace-jumping interplanetary cruisers, science fiction has delivered some of the most amazing creations ever conceived by the human mind. Danny Boyle’s Sunshine features one of the boldest examples: a starship designed to reach the Sun. The concept got the sci-fi crowd pretty excited and although the movie did offer an amazing visual odyssey, it was ultimately, and unfortunately, doomed by questionable script choices that spoilt an otherwise instant classic. So let’s forget that there’s a movie attached to it and talk about the fabulous spaceship Icarus II instead.
The main feature of the ship is the gold plated solar reflective shield. A mile in diameter, it’s a circular structure that protects the remaining body from the intense heat and radiation. Right behind it is a secondary structure, a massive cube containing a stellar bomb devised to re-ignite the Sun. In pure sci-fi fashion, our beloved star is suffering a disruption phenomena caused by a supersymetric nucleus, also known as a Q-Ball. Since I have no idea what that means, I’ll take the film’s science adviser’s word on the matter. That’s Dr. Brian Cox, a prominent physicist from CERN, in case you’re wondering. The remaining body of the ship contains the human functions and life support systems. Icarus II reveals an interesting mix of contrasts and scales and the design presents an obsessive attention to detail. Spaces like the flightdeck and sleeping quarters, just as its long eerie corridors, are somewhat evocative to Alien’s Nostromo. The airlock room is pure 2001 territory. The remaining areas, however, are surprisingly original.
Despite its shortcomings, Sunshine is a wonderful work of production design. The movie takes a few liberties, most noticeably regarding to the star’s strong gravitational pull. Still, it nevertheless provides a strong sense of journey and the most impressive portrait of the Sun ever seen on screen. It is exposed in all its beauty and power, the great source of all life in the world, yet so destructive, so intangible in itself. One of the most interesting spaces in Icarus II is the Observation room. There are, in fact, no other windows in the ship. But this compartment features a huge screening wall with an adjustable filtering mechanism that allows for direct observation of the photosphere. The room is central to the narrative and offers some of the most spectacular moments of the film.
The Earth room is another appealing compartment. It is, in fact, a virtual reality booth that offers an immersive 360º image projection. Its minimalist texture and design presents an interesting contrast with the Observation room; the first one being a limitless, physical space, and this one being much more interiorized and psychological.
The Oxygen room, also known as the Oxygen Garden, is probably one of the most detailed environments in the film. Movie geeks will remember the Valley Forge’s artificial greenhouses, from the 1972’s sci-fi classic Silent Running, as a reference. In Icarus II, this room has been conceived to replenish the ship’s oxygen supplies and provide new food reserves for the crew. It features a set of hydroponic containers with a network of plants, and an auxiliary system of airducts. It’s somewhat unfortunate that the film doesn’t explore this space more intensely into the narrative. It is the only room where nature is present in some form. This kind of artificial, living environment, makes the essential counterpart with the hostile quality of the Sun, and would offer an engaging psychological equivalent to the journey. But then, maybe that’s just my cinephile melancholy at work. So I’m signing off now, leaving you all with a presentational film from Douglas Trumbull’s Silent Running, for additional cataclysm in outer space.
Um slideshow a não perder: Cruz Alta de Robert Schad. Imagens da execução e instalação do grande crucifixo de aço colocado junto à nova Igreja da Santíssima Trindade em Fátima, fotografadas Fernando Guerra. Para quem ainda não viu fica igualmente a recomendação para A fundição do Sr. Cosme, um registo documental do fabrico dos baixos relevos de bronze desenhados por Pedro Calapez.
The rising of the cross High Cross by Robert Schad: the making of the steel crucifix for the new Holy Trinity Church in Fátima, photographed by Fernando Guerra. This slideshow follows the previous presentation of Mr. Cosme’s Foundary, documenting the man-made casting of the bronze bas-reliefs designed by Pedro Calapez.
BackStory: Casa Da Musica é um artigo da Archinect sobre algumas das experiências de apropriação pública do edifício. Álvaro Campo conta como a grande praça ondulada se tornou um ponto de atracção de patinadores e skaters. Apesar da actividade destes jovens ser inicialmente mal aceite pela polícia, a sua presença acabou por tornar-se uma parte importante da vivência do espaço e da identidade do novo centro de cultura da cidade.
Casa da Música on Archinect BackStory: Casa Da Musica is an Archinect feature reporting the appropriation of the building by the public. Álvaro Campo tells how the big wavy plaza immediately became a point of attraction for skaters and roller bladders. Although the activity of these youngsters was at first deemed with suspicion by the local police, their presence is now accepted as an important part of the life and identity of this new cultural centrepiece of the city.
Images kindly provided by Fernando Guerra. Click to view in full size (new window).
A nova Igreja da Santíssima Trindade em Fátima foi projectada pelo arquitecto de origem grega Alexandros Tombazis. Edifício notável pela sua grandeza, de base circular, acolhe no interior um espaço de assembleia com capacidade para 9000 lugares sentados e um vão livre de 90 metros. O arquitecto desafiou Fernando Guerra a realizar uma pequena obra documental sobre a nova igreja, juntamente com uma reportagem fotográfica para registo dos diversos elementos que compõem a sua arquitectura. As imagens que agora se apresentam constituem uma mostra reduzida desse trabalho que ainda decorre, destacando-se aqui o conjunto de peças artísticas que integram o edifício e os espaços que o envolvem. Um registo enriquecido pelo traço da vivência humana, captada durante os dias 12 e 13 de Outubro, oferecendo um olhar multifacetado sobre a riqueza plástica e sobriedade material de uma arquitectura vincada pela fé, entre a grandeza e a humildade que se inscrevem como próprias da construção religiosa. Architecture of faith: The recent Holy Trinity Church, built in Fátima, Portugal, is authored by the Greek architect Alexandros Tombazis. A remarkable building, of circular base, defines a congregation space with seating capacity for an audience of 9000 people and a wide space of 300 feet. The architect challenged Fernando Guerra to direct a small documentary about the new church, along with a photographic depiction of its many architectural elements. The following images are a small part of that ongoing work, and serve as a motive to reveal the several artworks that were developed for the building and the spaces that surround it. A portrayal that was enriched by the traces of human presence, as registered during the days of October 12th and 13th, offering a multifaceted look on the plastic richness and material sobriety of an architecture directed by faith, between the grandeur and humility that are intrinsic to religious construction.
O impressionante espaço interior do edifício é atravessado por duas vigas mestras em betão branco, paralelas, que rasgam uma grande abertura de luz central. A luz zenital marca o percurso da liturgia, num eixo que conduzirá à Basílica, no extremo oposto do Santuário. The impressive internal space of the building is crossed by two main beams of white concrete. The parallel alignment of these structural elements substantiates its central opening. Light from above signals the path for the liturgy in an axis that conducts to the Basilica, in the opposite side of the Sanctuary.
Entre o delicioso cochichar de duas servitas podemos observar o alinhamento axial marcado pelo pavimento e acentuado pelas vigas superiores. Ao fundo, sobre o altar-mor, o espaço é coroado com um grande crucifixo em madeira maciça, escultura da autoria da irlandesa Catherine Green. Through the delightful conversation of two “servitas” we can watch the central alignment drawn by the floor and punctuated by the upper beams. In the background, above the main altar, the room is crowned with a wooden crucifix, a sculpture authored by Catherine Green.
O traço de Álvaro Siza está também presente nos espaços de circulação do edifício, aqui gravados no painel de azulejos do Átrio dos Apóstolos de S. Pedro e S. Paulo. The hand drawing of Álvaro Siza is present in the circulation areas of the building, here shown in the tiled walls of the Atrium of St. Peter and St. Paul.
O exterior (adro) da nova igreja é pontuado pela Cruz Alta, um grande crucifixo em aço corten com 34 metros de altura, peça maior da autoria do alemão Robert Schad. The external space of the new church is signalled by a great cross, 110 feet tall, in corten rusted steel. This beautiful piece is authored by the German artist Robert Schad.
A aproximação exterior à nova igreja revela a imponência estrutural do pórtico de entrada definido pelos dois braços maciços de betão branco que atravessam o edifício. A coroar o seu início, uma instalação da escultora cipriota Maria Loizidou, conjuga vários mantos transparentes onde flutuam anjos em volta do apelo "Venite Adorem – Vinde e Adoremos". The structural majesty of the main portico is defined by the two arms of white concrete that pass through the building. These elements hold an installation by Maria Louizidou, a composition of transparent veils and floating angels.
O pórtico desemboca no grande átrio onde se abre a porta principal do edifício. A entrada é ladeada por dez painéis superiores de bronze da autoria do artista português Pedro Calapez, num conjunto alusivo aos Mistérios do Rosário. Também a porta central serve de espaço de composição artística com a imagem da Trindade, celebrando a figura de Cristo e estabelecendo relação com as doze portas laterais que envolvem a grande nave, dedicadas aos Apóstolos. The portico signals the external atrium where the main entrance is located. Ten bronze panels are placed on both sides, allusive to the “Mysteries of the Rosary, authored by Portuguese artist Pedro Calapez. The main door is also decorated with the image of the Holy Trinity, celebrating the figure of Christ in relation to the twelve lateral doors, dedicated to the Apostles.
Fernando Guerra acompanhou a execução do trabalho extraordinário de Pedro Calapez. A produção artesanal dos baixos relevos de bronze está registada numa galeria documental de grande beleza visual, intitulada A Fundição do Sr. Cosme, de visita imprescindível. Ficam ainda algumas das suas imagens, apontamentos de uma vivência humana que se mescla entre as texturas da arte e da arquitectura num palco atmosférico, de grande carga emocional. A fé como tema primordial da composição do espaço do homem, das suas fragilidades e dos limites que o transcendem. Fernando Guerra attended the production of the artworks of Pedro Calapez. The man-made casting of the bronze bas-relief for the doors is documented in a gallery of outstanding visual beauty, entitled Mr. Cosme’s Foundary. The following images depict some of the human activity, as it blends between the textures of art and architecture in an emotional setting. Faith as a vital theme in the composition of space by man, representations of frailty and the boundaries that transcend human spirit.