|humanismo|moderno|

Quinta-feira

Quando comecei a ler o livro O Urbanismo (1925) de Le Corbusier, durante os tempos de faculdade, escrevi na primeira página a frase: uma obra de terror dos tempos modernos. Tinha ficado chocado com a visão avassaladora do Plan Voisin, logo eu que acabara de conhecer e apaixonar-me por Paris.

O mal entendido foi meu e tenho agora de o reconhecer. O Urbanismo é uma obra fascinante, um trabalho de investigação que procura desenvolver uma doutrina nova para compreender a cidade. Corbusier era um homem metódico no sentido científico, e demonstrou-o bem desenvolvendo o seu trabalho de análise, desta vez sobre o corpo humano, com Modulor. Assim como afirmou para a cidade (a cidade é um instrumento de trabalho), também definiu o Modulor como um instrumento de medição baseado no corpo humano e na matemática. Corbusier era um estudioso do espírito das coisas, do homem e da natureza, que procurava compreender a harmonia através de um abordagem científica e daí a sua obsessão por desenvolver modelos matemáticos que exprimissem as suas regras. A matemática como o segredo do universo.

Os novos processos construtivos e materiais que nasceram da mecanização industrial e da produção em massa tornaram-se as ferramentas que os arquitectos do modernismo necessitavam para criar uma nova utopia: uma sociedade humana e equilibrada para um mundo que havia sentido a devastação da guerra. Pela primeira vez na história da humanidade, os arquitectos utilizaram o vidro, o betão e o ferro em toda a sua glória. O estilo deixou de ser uma pele da arquitectura para passar a ser um conceito estrutural, a arquitectura libertava-se do espartilho das limitações materiais, a planta era livre.
Mas Le Corbusier foi talvez dos primeiros homens a compreender os perigos que o novo mundo moderno colocava a si próprio e sentir a necessidade de organizar grandes malhas urbanas partindo de uma visão da cidade para o homem, de comunhão com uma nova ideia de natureza: uma cidade radiosa.
Percepcionando estes problemas, compreendeu o conflito que a sociedade que aí vinha iria impôr às estruturas antigas, as malhas obsoletas que paralizariam o desenvolvimento. E como homem de princípio teórico, vaticinou a saída com total clareza: se o tradicionalismo obstruía o desenvolvimento dos transportes e das actividades, se a decadência das velhas cidades e a pressão do trabalho contemporâneo eram causadoras de inquietação e sofrimento físico e mental, então era forçoso inventar uma cidade nova. E porque, para ele, o vigôr de uma nação dependia do vigor dos seus cidadãos, a cidade contemporânea deveria oferecer a estes a tranquilidade e o bem estar, o equilíbrio e a paz para usufruir uma vida erudita e civilizada.

Por isso apresentou uma solução tão radical: Para transformar as cidades, temos de descobrir os princípios básicos do planeamento urbano contemporâneo. É fruto desse desafio que nasce, em 1922, a sua visão de uma cidade contemporânea para três milhões de habitantes. Idealizou uma cidade de largos arranha-céus integrados com grandes parques térreos, libertando o nível térreo sob os edifícios e elevando-os em pilotis. Este parque urbano da natureza e da arquitectura beneficiariam assim dos métodos de construção moderna e facilitariam a circulação automóvel e o avião sem que as suas estruturas entrassem em conflito com o homem ou com a natureza.
O desenho desta cidade ilustraria a sua visão e alguns princípios notáveis que ainda hoje servem de referência aos urbanistas, como por exemplo a separação das vias pedestres das vias automóveis, a hierarquização dos níveis de planeamento e a compreensão das diferentes escalas da urbanidade.
Não é por isso surpreendente que Corbusier tecesse a metáfora da habitação individual como o núcleo básico do planeamento, uma célula habitada. Por isso estudou apuradamente essa unidade, as relações entre o lugar de trabalho e o da recreação, entre o espaço vivido e a circulação. Os modernistas apaixonaram-se pela “cinética”, o movimento dos corpos e da luz, do espaço, do tempo, da vida.

É fundamental compreender os propósitos humanizadores dos verdadeiros modernistas para compreender o espírito do moderno. A sua visão civilizada de uma sociedade cujo objectivo era o investimento no indivíduo. E por isso é também fundamental compreender as origens do pensamento destes homens, do respeito pelo purismo oriental ou pelos valores da cultura clássica, da compreensão do divino, do respeito pela cultura, pela história, pela tradição, enfim, pela Humanidade. É, afinal, com os modernistas que a arquitectura ganha, pela primeira vez na história humana, um sentido de compromisso e responsabilidade social. Um sentido de missão tão longe da nossa realidade, do super-vedetismo da arquitectura contemporânea.


Charles Édouard Jeanneret Le Corbusier. Posted by Hello

Sem comentários:

Enviar um comentário