[lina bo – 2]

Segunda-feira

Continuo a publicação de uma curta série de textos da autoria da conhecida arquitecta Lina Bo Bardi que espero terminar com um retrato da sua vida e da doutrina que deixou, que continua a constituir uma peça importante para compreender o modernismo e as suas complexas implicações sociais e políticas.

Planificar, sanear, antes que a especulação imobiliária, fantasiada de filantropia, transforme as casas humildes, as ruas, as praças, o ambiente onde se desenvolve uma vida pobre, mas rica de fermentos vivos, de realidades pulsantes, em uma massa aforma, mortificada e mortificante, o que obriga uma humanidade desvirilizada pela incompetência, pela sub-cultura, pelo desconhecimento dos valores humanos, a esquecer a si mesma, no desânimo de uma realidade fictícia, imposta por pseudos técnicos, pseudos urbanistas, pseudo arquitetos.
Arquitetos, urbanistas, precisamos defender-nos da invasão do Qualquer. Precisamos impedir que os valores da cultura sejam destruídos pela indiferença à Humanidade, à História, à Tradição. Na Cultura, na Tradição e na História, e também na Arte incluímos a igreja colonial e o barroco, a casa-grande de origem portuguêsa, os azulejos, as pequenas casas de fim de século, pintadas em côres vivas com decorações de estuque prateado e colorido. Acreditamos nos técnicos, nos urbanistas, nos arquitetos, mas é dever fundamental dos técnicos, dos urbanistas, dos arquitetos, estudar e compreender, no seu profundo sentido espiritual, aqui o que se poderia chamar a alma de uma cidade; sem essas premissas, uma planificação, um plano de urbanização serão um esfôrço estéril e pior uma colaboração com o rôlo compressor da especulação. As necessidades humanas começam onde acabam a limpeza, a ordem, o mínimo necessário a que todos têm direito. Lutar, assegurar este mínimo necessário, é problema urgente. Este mínimo é representado pela Casa, mas precisa necessariamente salvaguardar o patrimônio espiritual do povo que não é a chamada “côr local”, mas a essência mesma da cultura, da dignidade de um país, de um povo, representado pelo conjunto de seus hábitos e de suas tradições, estritamente ligadas ao desenvolvimento moderno e atual da vida.


[Olho Sobre A Baía por Lina Bo Bardi, 1958]


Lina Bo Bardi na sala da sua casa, 1963. Posted by Hello

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