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Terça-feira



Não, eu não sou um fanático adepto de futebol. O futebol não vai salvar o país nem acelerar a “retoma”, seja lá isso o que for. Mais um conceito da vida política para colocar na prateleira ao lado do “oásis”.
Se o futebol não é a fonte de todo o bem, é certamente um alvo fácil para representar todo o mal. Pois eu admito que aderi ao Euro2004 com a perfeita consciência do que estava a fazer. Ópio do povo, muito circo e pouco pão, folclore para distrair os papalvos, pois bem, eu quis mesmo entusiasmar-me e esquecer a telenovela política durante um mês. Não quero mesmo saber do primeiro ministro, da parada dos “yes man” ou da oposição catatónica, eu já vi esse filme e já sei como vai acabar. Chamem-me depois do intervalo da publicidade, se faz favor.
Eu quis mesmo ver “a bola” exuberante e sensacional. A magia, o espectáculo, a feira popular. Será que o Pacheco Pereira nunca tem vontade de comer um belo algodão doce cheio de corante cor de rosa? Sim, eu sei, o mundo é um lugar terrível, mas já experimentaram os “donuts”?
De coração aberto, senti o descalabro da nossa derrota como quem assiste a um tremor de terra. Só mesmo no fim, ao ver aquelas imagens do Rui Costa a chorar sobre o fundo desfocado de mil luzes azuis e brancas é que voltou a mim a lucidez. Relembrei as lágrimas de Eusébio. Os cínicos dirão que não tem nada a ver, Rui Costa ganha milhões, o mundo do futebol é uma máquina implacável onde já não há lugar para a ingenuidade. Enganam-se. Por detrás de cada Rui Costa, Figo e Couto, estão miúdos que um dia sonharam apenas com jogar à bola. Naquele momento sobre a relva onde tombaram lágrimas não estava a vedeta, a marca, o logotipo, o web site. Estava um homem no íntimo da sua vida privada, só, com a dor de quem esteve perto de um sonho e o perdeu. E por isso é dolorosa esta derrota. Não é pelos milhões de adeptos chorosos, não é pelos pescadores que rasgaram o rio nem pelos cavaleiros que acompanharam o autocarro da selecção. Não é pelos que puseram as bandeiras na janela ou saíram a buzinar nas noites de vitória. Nós encolheremos os ombros e diremos que é a vida, e ela continua. É dolorosa a derrota por aqueles homens que ali no relvado se reencontraram com os jovens que um dia foram e nas razões que os levaram a querer fazer algo tão simples como jogar à bola. Maravilhemo-nos então com o fim do sonho, consolados talvez pelas palavras de Tom Jobim. É que a tristeza é mais bela que a felicidade...

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