O sítio web do National Park Service mantido pelo Departamento do Interior do governo americano é um portal que serve de directório aos parques naturais e ao património cultural e histórico dos Estados Unidos. Para além da introdução à história dos locais e de fornecer recursos informativos sobre os serviços existentes em cada um deles, faz-se acompanhar de muita informação sobre a acessibilidade, o alojamento, pontos de interesse próximos, actividades e notícias diversas. Um bom exemplo feito com grande profissionalismo.
Para não ficarmos só a admirar o que os outros fazem deixo-vos também o sítio web do Instituto da Conservação da Natureza. A página segue um modelo semelhante, está bastante bem construída e dá acesso a informação variada. Faço o pequeno lamento apenas de ver como rapidamente resvalamos para uma linguagem académica num contexto em que ela devia fazer-se mais aberta e menos técnica. Talvez o termo de comparação com a congénere americana possa ser útil para nos fazer ver que existem registos diversos para públicos e objectivos também diversos. A área de informação também merecia conter mais detalhe na exposição de cada parque ou ponto de interesse individual. No entanto há-que reconhecer que o site do ICN está muitos furos acima da média e merece uma visita.
Parques naturais
Bullshit detector
Tão misteriosa é a vontade de Deus que a maioria das pessoas a confunde com uma indigestão. E depois há o Buda, cuja primeira grande revelação foi que a vida é sofrimento – e não fazem ideia como ele era divertido na cama.
Wars Of Compassion
Ah, o delicioso sabor a yesterday’s news do Live 8. Activemos pois o bullshit detector acompanhados de uns óculos escuros versão They Live. Claro está, já se sabe que este mundo é mesmo uma palhaçada. Bonitas imagens, eis o Presidente da Comissão Europeia José Barroso ao lado de Bono erguendo um esperançoso “V” de vitória. Estou quase a lacrimejar. Mas, espera, este não é o mesmo Durão que há pouco mais de um ano foi ao bombástico casamento de luxo da filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos. Ah, mas que nobre entrega às causas humanitárias, especialmente quando regadas com um bom Chardonnay. Desta vez é mesmo a sério, o Banco Mundial e o FMI colocaram a mão nas consciências para encetar uma poderosa luta contra a pobreza. No topo do cartaz: Tony Blair de voz embargada, secundado por George Bush. Dos mesmos homens que vos deram “Armas de Destruição Maciça” e “Saddam em Cuecas”. Agora, eis o “Perdão da dívida dos países do 3º mundo”. Este filme, é preciso reconhecer, tem muito melhores efeitos especiais e uma banda sonora à maneira.
Os intelectuais dividem-se e até os cientistas ficam malucos. A Nasa atira com um míssil a um cometa. Eh, grande festa, eu quando era puto também gostava de partir coisas. Mas Portugal está dividido. De um lado a facção José Gil, do outro a do Vasco Pulido Valente. O melhor era vestir os dois de maillot de luta greco-romana e metê-los numa poça de lama. A TVI já deve ter tentado mas Vasco declinou: o único exercício que faz é andar trinta metros para comprar tabaco e mesmo assim com risco de sofrer uma taquicárdia. O Pacheco Pereira traduz enquanto se deleita por entre poemas e fotos de Saturno. Francisco José Viegas eclipsa-se durante três meses.
Mas o filme tem azar com a data de estreia. Os atentados em Londres atiram-no para segundo plano com estridência e uma boa dose de histeria colectiva. A charanga tem de continuar e logo se fazem ouvir muitas vozes explicando as origens da problemática do fenómeno e mais o camandro. Há de tudo para todos como é bom de ver nesta nossa sociedade pluralista. Entre os que embarcam no idealismo amansado pop e os fundamentalistas sem turbante a rogar por um míssil pelo cu daquela gentalha toda é difícil escolher com tamanhas sabedorias.
Guerra é guerra e não se fazem prisioneiros. O tiroteio já começou e o melhor é saírem da frente, em especial se decidirem apanhar um autocarro em Stockwell. A discussão é acesa e a blogosfera está ao rubro. Já se sabe, qualquer caramelo com blogue acha-se um perito em política internacional e terrorismo. Há um Nuno Rogeiro dentro de cada um de nós, mas só ele tem o cabelo original.
Ah, a blogosfera, a blogosfera... e não se pode exterminá-la?!...
O futuro é nuclear?
No Bloguítica, Paulo Gorjão tem vindo a defender a necessidade de contemplar a instalação de centrais nucleares em Portugal.
A questão energética é um assunto muito sério. A esse respeito publiquei aqui um pequeno ensaio: ler Energia: A Situação Portuguesa. Julgo compreender as preocupações de Paulo Gorjão que interpreto de forma positivamente desinteressada e pragmática. Também a respeito da energia nuclear afirmo não possuir quaisquer tabus e, espero, nenhuns preconceitos sejam eles ambientais ou económicos. O que me preocupa não é tanto o debate do tema mas que ele se faça com base nos pressupostos que ali se apresentam e que carecem de uma análise muito mais séria.
A dramática evolução dos preços do petróleo tem feito aparecer uma nova onda de publicidade favorável à energia nuclear. Essa indústria agora em ressurgimento tem promovido os méritos de uma tecnologia evoluída capaz de gerar electricidade sem produzir emissões de carbono e uma boa relação custo/benefício. O futuro é brilhante. O futuro é nuclear.
Ou será? Os critérios de diminuição de emissões de carbono definidos pelo protocolo de Quioto pareceram abrir as portas a novas oportunidades para a expansão comercial de energia nuclear. Para se ter noção da dimensão do sector, 16% da produção energética mundial é gerada em 438 reactores nucleares comerciais. Para países carenciados em recursos energéticos domésticos, a energia nuclear pode parecer uma opção atractiva, em especial perante os perigos da actual dependência das importações de petróleo. No entanto, a comunidade internacional rejeitou esta opção como uma alternativa limpa e viável, o que foi encarado por essa indústria com desapontamento.
Os principais argumentos críticos com a expansão nuclear prendem-se com a sua difusão no continente asiático. As centrais nucleares são altamente dispendiosas de instalar, requerem pessoal com elevada especialização, segurança extensiva, programas de manutenção que funcionem, estudos de impacto ambiental e um sistema capaz e dispendioso para lidar com as emergências. Nos países desenvolvidos muita dessa infraestrutura existe ou está disponível, mas para três quartos do planeta isso não é verdade. Como tal, não surpreende a falta de entusiasmo da comunidade internacional para com o alargamento deste sector.
Numa questão tão polémica podemos debater a favor ou contra com enorme paixão mas os factos são os factos. Na Europa o nuclear representa uma parte considerável da produção de energia. Mesmo não considerando o caso particular da França que é o segundo maior produtor bruto de e. nuclear (só atrás dos Estados Unidos e o primeiro numa base per capita) com 79% da produção eléctrica interna e sendo o maior exportador líquido da UE; na Alemanha, o nuclear representa mais de 25% da produção de electricidade e na nossa vizinha Espanha esse valor atinge 23% (1)
No entanto, a durabilidade condicionada dessa infraestrutura obrigará a uma nova vaga de investimentos para se manter a potência actualmente instalada nesses países nas próximas décadas. Na Alemanha o governo assumiu um acordo com as companhias do sector com o objectivo de desactivar todas as suas centrais até 2021. A sua intenção é compensar essa perda de produção através das renováveis e do gás natural. Em Espanha, o primeiro ministro Zapatero afirmou uma intenção semelhante. No entanto, muitos analistas estão cépticos em relação à manutenção destas soluções políticas no futuro.
As vantagens desta tecnologia em relação aos aspectos ambientais (redução de emissões) são bem conhecidas. No entanto, as suas desvantagens também. Existem preocupações quanto aos elevados custos de construção das centrais, bem como da sua manutenção e desactivação.
Existem também aspectos de segurança que não podem ser negligenciados; tanto de segurança de utilização da instalação (safety) como do risco de possíveis atentados terroristas (security). A tecnologia nuclear tem riscos próprios que exigem uma supervisão constante e uma “cultura de segurança”. Mesmo em Inglaterra, conhecida pela eficácia da indústria, os problemas acontecem (2/3/4). As centrais nucleares exigem ainda uma estratégia operacional de depósito dos resíduos radioactivos (5).
Para Portugal, a opção de enveredar pelo nuclear proposta por Paulo Gorjão não é uma questão simples de sim ou não. Existem questões relativas à política de energia nacional; ao método de financiamento das instalações e quais os seus promotores e parceiros; questões práticas, económicas, de segurança, de garantia de oferta de matérias primas; e também de capacidade técnica (know-how). Tratam-se de problemas eminentemente técnicos e para os quais devem ser dadas respostas técnicas. Estas questões não se submetem a referendo nem devem ser decididas por pessoas como o PG ou por mim ou outros que leram meia dúzia de artigos. Não se trata assim de “preparar a opinião pública” como disse, e mal, PG. Ouça-se a nossa classe científica, ouçam-se as universidades e os técnicos da área. Veja-se o que as agências internacionais têm a dizer sobre isto, mas acima de tudo, faça-se o debate a sério sobre o tema sem enveredar por minimizações dos problemas como se o nuclear fosse a imagem da perfeição, e também sem embarcar nos fundamentalismos ambientalistas dos activistas da inacção.
O nosso problema energético existe. É preciso não esquecer que, apesar do aparato do recente entusiasmo da nossa adesão às renováveis, já estamos a partir com um atraso comprometedor. Os nossos compromissos com a UE assinados para 2010 não significavam que devíamos completar as nossas centrais de renováveis até esse ano, antes significa que deviam estar operacionais em 2000 e a pensar nelas em 1990. E isto já é estar a ser benevolente. Mas pergunto-me se o nuclear deve ser a porta para resolver a nossa negligência de décadas. Assusta-me que os governos possam encontrar aí a solução “que dá para tudo” e que se vá em frente de forma desonesta e a reboque de interesses sectoriais.
A questão é séria. Resta saber se seremos suficientemente sérios para lidar com ela.
É a lei, estúpido! (3)
Não esperava voltar a este tema mas venho acrescentar alguns esclarecimentos em resposta a um texto publicado no blog Em Busca Da Límpida Medida. Apesar das minhas divergências, manifesto desde já um completo respeito pelas considerações do seu autor.
Nesse texto apontam-se duas situações:
A mais comum é a Câmara não saber nem ter que saber se existem ou não condições de habitabilidade. Isto porque à Conservatória, como refere o DL referido pelo Daniel, basta a a licença de utilização existente.
A licença de utilização tem uma validade de oito anos. Isto significa que, nos casos em que a sua apresentação é obrigatória no acto da escritura e esta perdeu validade, tem de ser pedida nova licença no seu município, sendo emitida após vistoria ao imóvel.
A outra situação, que pode levantar as questões que ocupam o Daniel, é ser efectuada, após a transmissão do imóvel uma vistoria camarária, nos termos e para os efeitos dos artigos 89º e 90º do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho que aprovou o Regime Jurídico Urbanização e Edificação, que conclua pela não habitabilidade do edifício, podendo, neste caso a Câmara obrigar a obras coercivas.
Nesta última hipótese já não estaríamos no caso referido pelo Daniel, pois o vendedor que não tinha dinheiro teria, afinal, conseguido operar a venda. Seria o comprador a arcar com as despesas. Ainda assim estas poderiam ser evitadas se o comprador invocasse que não pretendia o imóvel para habitação (pelo menos naquele momento) e o mesmo não oferecesse perigo para a saúde pública.
O problema que exponho remete-se às situações anteriores à transmissão do imóvel por impedimento legal. Ainda assim, referir que o município pode obrigar a obras coercivas é uma visão algo cor-de-rosa da acção municipal. Basta ver os centros históricos das cidades do país. As câmaras actuam pontualmente em casos de risco de ruína ou situações mediáticas, mas essa acção é quase sempre a excepção e nunca a regra.
Mais longe do que isto não poderá ir a lei. Nem deverá. A exigência de uma licença de utilização faz sentido mesmo em alguns casos que estariam abrangidos pelo exemplo do Daniel. É que o intuito da licença de utilização, como bem refere, é de garantia do interesse público, como sejam a salubridade, a saúde pública, a segurança, etc. Por essa razão, mesmo que dois particulares, no exercício da sua autonomia privada, decidam comprar e vender ruínas, deve o Estado, se necessário, poder impedir, controlar ou minimizar, os efeitos nefastos que tal compra e venda possam gerar para os restantes habitantes.
Falei em ruínas como podia falar de um imóvel com uma simples degradação do telhado ou falta de caixilharias nos vãos. Situações que acontecem em edifícios com algumas décadas mas que não estão isentos de licença.
Existe aqui um problema grave entre o princípio e a prática. Podemos dizer que o intuito da licença de utilização é de garantia do interesse público. Sem dúvida, mas se a sua falta inviabiliza a transmissão de imóveis, impedindo-os de regressar ao mercado para as mãos de proprietários interessados em recuperá-los, que interesse público estamos a servir. Existe aqui um grave preconceito, ao defender que o Estado deve poder impedir a compra/venda entre dois particulares, como se a sua acção pudesse ser uma espécie de atentado com efeitos nefastos (...) para os restantes habitantes. É que aqueles particulares que compram casas com o intuito de recuperá-las, muitas vezes com os seus capitais próprios e sem apoio do Estado, também realizam uma acção de indiscutível interesse público.
Creio que o Daniel estaria a pensar numa situação em que a compra e venda não lesasse ninguém. Mas nesses casos dificilmente poderá a lei ser utilizada para impedir a compra e venda ou permitir obras coercivas. O que, em certos casos, pode ser negativo, pois significa propriedade ao abandono num país em que a Constituição postula a propriedade com fim social. E não completamente egoístico (num sentido mais liberal do termo).
O que digo, e reafirmo, é que a actual lei impede em muitos casos a compra e venda de imóveis degradados, negando-lhes a possibilidade de regressar ao mercado onde potenciais compradores poderiam promover a sua recuperação. Em discussão com colegas, várias vezes concluímos que parece faltar uma “licença de não utilização”, ou seja, um atestado de que o imóvel, não sendo clandestino, não reúne condições de utilização nos termos legais. Esta declaração deveria ser emitida, em substituição da licença de utilização, apenas para efeito de uma escritura específica sendo passada ao comprador e não ao vendedor. Deste modo, o comprador do imóvel não poderia afirmar posteriormente desconhecer o estado do imóvel que se propunha comprar.
Todo este vazio jurídico é, a meu ver, não apenas uma falha da lei mas também um erro grave que vai conta a nossa Constituição que diz no seu artigo 62º, o seguinte:
A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
É a lei, estúpido! (2)
Expliquei no início do texto anterior que apresentava um exemplo de vazio legal, de forma simplificada. Não pretendia sujeitar os leitores a uma argumentação jurídica exaustiva sobre a matéria. No entanto, e tendo sido levantadas algumas questões nos comentários e entre elas, um ou outro equívoco, importa desenvolver o contexto legal do caso para esclarecer todos os que ficaram interessados pelo tema.
Afirmei no contexto da situação específica que estava a expor ser obrigatória a apresentação de licença de utilização do imóvel no acto da escritura de venda do mesmo. Em comentário, e. afirmou que todas as construções inscritas na matriz com construção anterior a Agosto de 1951 (que não sejam um monte de pedras mas um prédio urbano em ruínas) não carecem de licença de habitação para serem vendidas.
Importa explicar:
1) Genericamente, todas as construções inscritas na matriz predial com construção anterior a Agosto de 1951, data da aprovação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), estão isentas de licença de utilização (LU);
2) Esta isenção, no entanto, já não se estende aos imóveis que (a) mesmo tendo sido construídos antes dessa data tenham sido sujeitos a licenciamento municipal; ou que (b) tenham sido âmbito de projectos de alteração em data posterior, a partir da qual passaram a estar igualmente sujeitos a emissão de LU.
Para além destes casos existem ainda excepções em que os imóveis estão isentos de apresentação de licença no momento de escritura, situações que foram definidas pelo Decreto-Lei n.º 281/99 de 26 de Julho. São elas:
3) Construções novas ou fracções autónomas em regime de propriedade horizontal, em que tenha sido requerida licença de utilização num período superior a 50 dias, que não tenha sido indeferido nem sido notificado para o pagamento das taxas respectivas;
4) Prédios urbanos não concluídos com licença de construção em vigor ou edifícios inacabados (prédios em fase de construção interrompida, quando não tenha sido emitida a correspondente licença de utilização e já tenha caducado a licença de construção em virtude de falência ou insolvência do anterior titular da licença de construção, de abandono da obra por facto não imputável ao titular da licença ou ainda de efectivação da garantia bancária), sendo neste caso apenas necessária a exibição da licença de construção, independentemente do seu prazo de validade. Estas situações não se aplicam na transmissão de fracções autónomas em propriedade horizontal ou moradias unifamiliares.
Este Decreto-Lei (curiosamente aquele que ilustrei na imagem) apresentou em preâmbulo uma exposição sobre as divergências de interpretação e os problemas resultantes da sua aplicação. Apesar de longo, recomendo a leitura do mesmo como belo exemplo da nossa linguagem jurídica.
O artigo 44.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, na redacção atribuída pelo Decreto-Lei n.º 74/86, de 23 de Abril, foi mantido em vigor por força do n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
A disposição do seu n.º 1 daquele preceito tem suscitado duas interpretações opostas: segundo uns, a expressão «licença de construção ou de utilização, quando exigível» significa que a escritura pública que envolva a transmissão da propriedade de prédios urbanos pode ser celebrada desde que uma das licenças seja exibida, aludindo a expressão «quando exigível» aos prédios para cuja construção a lei não obrigava a licenciamento; segundo outros, a mesma expressão não atribui valor equivalente àquelas licenças, querendo significar que deve ser exibida a licença que, em concreto, couber, ou seja: a de construção, no caso de a compra incidir sobre prédio em construção; a de utilização, se respeitar a prédio já concluído.
A divergência, pelo seu relevo no tecido económico-social, carece de aprofundada reflexão e inserção na sistemática normativa do regime de licenciamento de obras particulares, pois é, por excelência, nesse domínio que a norma em causa decisivamente interfere.
Entretanto, importa transitoriamente superar os efeitos gravemente nocivos de tal diferendo interpretativo, o qual, no segundo termo da alternativa, pode inviabilizar a transmissão de milhares de prédios urbanos; do mesmo passo, é necessário pôr cobro à incerteza em que se encontram numerosos adquirentes de fracções autónomas transmitidas apenas mediante licença de construção.
Até melhor estudo, de carácter mais genérico, opta-se por uma solução que, salvaguardando os limites razoáveis de segurança do comércio jurídico, vá de encontro às compreensíveis preocupações de todos os interessados.
As excepções introduzidas pelo Decreto-Lei n-º 281/99 não isentam o grande conjunto de casos em que a existência de uma situação de insalubridade torna impossível a emissão da licença necessária à sua transmissão como ilustrei no meu texto anterior. Mesmo aqueles em que o comprador pretende proceder à recuperação do imóvel. Nesses exemplos, desconheço quais são as maneiras hábeis de contornar a lei que supõe o comentário de e. e para as quais o seu advogado talvez nos pudesse fazer o favor de iluminar.
Em conclusão, importa observar o que escreveu criolinha num outro comentário. Diz e bem que a licença de utilização não é por si só garantia de condições de habitabilidade (é apenas o culminar de um processo de licenciamento municipal) e que o mecanismo legal que impede a venda de imóveis sem LU teve como principal objectivo o combate à construção clandestina. Este facto é muito importante para compreender os pressupostos deste mecanismo jurídico e os seus problemas. É que se a existência de licença de utilização faz prova de legalidade do imóvel, a sua falta (ou a impossibilidade de a obter) já não faz prova de ilegalidade (e muito menos clandestinidade). E é neste espaço que está o vazio legal de que falei, que existe de facto e se constata na nossa prática profissional e na vida de alguns cidadãos. O que me leva de volta ao conselho de e. para consultar um perito em legislação quando se trata de interpretar a lei. Tanto quanto entendo esta sugestão, devo dizer que concordo na mesma medida em que deveriam os nossos legisladores consultar peritos das áreas para as quais produzem doutrina jurídica.
É a lei, estúpido!
Costuma dizer-se que temos a melhor legislação do mundo. É mentira. A nossa legislação está para a melhor do mundo como um pelotão de scooters está para um Ferrari. Cinquenta motoretas não fazem um Ferrari, fazem uma confusão. Quando algo está em falta, o legislador produz mais uma motoreta a resolver aquele problema específico. Isto quer dizer que para se saber trabalhar com esta legislação não basta saber conduzir, é preciso ter cinquenta pares de pernas e a inteligência de um polvo.
A nossa lei tem coisas engraçadas. Vejamos este pequeno exemplo que apresento de forma simplificada. Uma pessoa vende uma casa. A outra compra-a. Ora, uma casa, para se poder considerar que é uma casa deve estar em condições de ser habitada. Por isso, as câmaras municipais emitem a chamada licença de utilização, neste caso de habitação, fazendo prova de que a casa está em boas condições.
Antigamente, para vender uma casa não era necessário ter licença de habitação. Isto queria dizer que você podia comprar uma casa a outra pessoa, sem garantias de que a casa estava em condições de obter a licença de utilização por parte do seu município, ou seja, sem cumprir com as condições legais exigíveis para se considerar habitável.
Para que isto não pudesse acontecer, os legisladores criaram um mecanismo legal. Começou então a ser exigida a apresentação deste documento, a licença de utilização, no acto da escritura de compra. Se o vendedor não conseguisse obter a licença, porque a casa não estava em condições, as conservatórias pura e simplesmente não poderiam fazer a escritura.
Resolveu-se assim um problema. Criou-se outro.
Imagine agora que você quer vender a sua casa velha. Porque não tem dinheiro. E a casa está degradada. Está tão degradada que já não tem condições de habitabilidade. Logo você não vai conseguir obter a licença de habitação. A não ser que faça obras. Mas você não tem dinheiro para fazer obras, por isso é que precisa de vender a casa.
Cria-se assim um vazio legal em que é impossível vender uma casa em ruínas. Mesmo que tenha comprador, que lhe quer comprar a ruína. Mas não pode comprar porque a conservatória não faz escritura porque a camara não emite licença porque a casa está degradada. Estão a ver?...
De outra vez, um colega arquitecto que trabalha na área do licenciamento municipal contava-me que só para as instalações de gás, depósitos de botijas e reservatórios, tinha de trabalhar com quatro decretos-lei mais três portarias e mostrou-me um molho de papel. Queixava-se como era difícil trabalhar com uma legislação tão dispersa e emaranhada, com decretos a revogar artigos de outros decretos ainda em vigor, e portarias a regulamentar artigos desses decretos. E eu pensei para mim: é a lei, estúpido! E os estúpidos somos nós!
A arte da complexidade
O urbanismo é tão mais eficaz quanto mais simples são os seus propósitos, propósitos esses que, devido a essa procura da simplicidade, devem ser correctos. E é aqui que a sociologia tem o seu papel: na elaboração de estudos que minimizem a margem de erro das opções urbanísticas. No fundo, deve ser passiva, não activa. Porque para a cidade quero o mesmo que para tudo o resto: que o princípio da liberdade e auto-regulação prevaleça. Ninguém gosta de crescer entre espartilhos.
Complexidade e Contradição: Sometimes it takes simple models to better understand complex behaviour, 2005-07-10.
Ao estudo do comportamento social humano, das suas origens, organização, interacções, chamamos de Sociologia. Não está incorrecta a utilização deste termo pelo Lourenço para definir genericamente aquilo que são as áreas de “não-desenho” do planeamento urbano. A evolução da Sociologia no âmbito das ciências humanas transformou-a num universo abrangente onde cabem aspectos da economia, da estatística, da sondagem qualitativa, da psicologia, da análise histórica.
Interessante é a associação dessa definição ao conceito de espartilho; não sei se intelectual ou formal. Independentemente disto, parece-me que sobressai daqui uma grande confusão: essa(s) Sociologia(s) de que se fala são ciências ou ideologias? As ciências sociais podem produzir formulações interpretativas das realidades observadas mas devem sustentar-se numa monitorização rigorosa e científica dessa realidade; não promulgar conceptualizações ideológicas da mesma. Assim sendo, se traduzem a nossa compreensão possível da verdade, como podem ser espartilhos?
O que escrevo pode traduzir um mal entendido do texto original. Seja como for, sou levado a continuar a frase do Lourenço com ironia - ninguém gosta de crescer entre espartilhos, a não ser que sejam os do arquitecto.
Eu discordo do essencial, que os propósitos do urbanismo devem ser a procura da simplicidade. Pelo contrário, o urbanismo é mesmo a arte da complexidade. É uma questão de “layers”, e urbanismo tem muitas “layers” e grande parte delas não tem que ver com desenho.
A questão, parece-me, não é tanto da incapacidade do urbanismo produzir modelos que traduzam a organicidade incontrolável da cidade. O objecto do problema é o facto do urbanismo ter “know-how”, tem linguagens e, de certo modo, ferramentas (“tools”), que a maioria dos que fazem urbanismo não conhecem ou não sabem para que servem. Os eixos, as estruturas, os espaços abertos. Limites, sectores, densidade, diversidade, conectividade, coesividade, sentido de lugar, referências visuais. O urbanismo faz-se com um tecido de conceitos que muitos não conhecem nem estão despertos a aprender. Esse “know-how” está dramaticamente ausente do nosso ensino académico e poucos o aplicam na sua vida profissional. O resultado é uma coisa que nem sequer se pode chamar urbanismo, uma coisa inane sem conceitos nem conteúdos que corresponde a noventa por cento da nossa realidade urbana.
O urbanismo não serve para “controlar” a cidade, para tornar expectável o resultado das inúmeras interacções finas da vivência humana no tempo. O urbanismo serve para introduzir inteligência no processo, para contrariar o “laissez-faire” que só uma grande boa vontade pode chamar de liberdade e auto-regulação. Quando a auto-regulação está entregue aos bárbaros, eu peço que tragam os romanos de volta. Mas isso, claro está, já é fazer ideologia. E o urbanismo é isso mesmo.
a|Um Studio
Eis que vão surgindo excelentes exemplos de apropriação das novas tecnologias na área da arquitectura. O portal a|Um Studio reúne a colaboração do atelier da arquitecta Carla Leitão e a firma de design multimédia aChrono de Ed Keller. O resultado é uma fusão muito interessante de trabalhos de grande qualidade num formato dispositivo exemplar.
Destaque para a articulação de imagens e texto, com conteúdos muito interessantes (em inglês). A salientar, o pequeno ensaio City Fragments: Before/Fragment/After, bem como os projectos da Casa do Lagar em Cimbres e das Casas de Birres, entre outros, para além das extraordinárias visões de Ed Keller.
Oportunidade ainda para divulgar o sítio web da Grafixcircus, um estúdio de design gráfico, web e multimédia, responsável pela construção da página da Arkibyo que dei a conhecer recentemente.
Por fim apresento o portal E-Architect.NET dirigido por Pedro Aroso, uma página dedicada aos utilizadores do Autodesk Architectural Desktop, que disponibiliza um conjunto notícias, tutoriais e muita informação actualizada de grande utilidade profissional. A destacar esta ligação para uma lista dos 46 melhores programas (freeware) gratuitos.
Nota: foi novamente actualizado o Directório de Arquitectos Portugueses na Net com a entrada da a|Um Studio.
Índice
A Barriga De Um Arquitecto chegou esta semana às 50.000 visitas e mais de 70.000 visualizações de página. Deixo aqui um índice para os principais textos publicados neste ano e meio de actividade.
Arquitectura, Urbanismo, Planeamento Urbano
As Árvores E A Floresta, 2005-06-14
Construir Comunidades, 2005-06-09
Sidewalk, O Passeio Americano, 2005-06-02
Fraudes Intelectuais E Outras Formas De Se Planear Em Portugal, 2004-12-15
Preconceitos Urbanos, 2004-11-19
Uma Ordem Para Quê Ou Para Quem, 2004-11-17
Para Que Serve A Arquitectura, 2004-10-09
Nós Os Sábios, 2004-10-01
Vandalize Você Mesmo, 2004-04-13
À Espera Do Desastre, 2004-04-02
Transcender, 2004-03-09
Esperança, 2004-02-10
A Arte De Violar O PDM, 2004-01-21
Arquitectos Contra Engenheiros, 2004-01-19
Política
O Princípio Do Fim Da Europa, 2005-05-26
Energia: A Situação Portuguesa, 2005-05-17
Que Fazer Pela Qualidade Do Estado, 2005-03-30
Burocracia: A Inteligência Do Estado, 2005-03-28
Complicar É Preciso, 2005-02-25
Gestão De Lemmings, 2004-08-12
Esta Terra Mal Amada, 2004-01-13
Media
Máquinas De Inquietação, 2004-01-30
Sociedade
O Não Saber De Todas As Coisas, 2005-03-02
Tacteando O Caminho, 2005-02-10
Onde Acaba Um País, 2004-11-11
Porto Côvo, 2004-09-14
O Direito À Felicidade, 2004-08-10
Vida Contemporânea, 2004-06-18
Sexualidade
O Silêncio Dos Afectos, 2005-05-25
Dois Pais, 2004-03-15
Casamento E Adopção Gay, 2004-02-27
Lições De Sida, 2004-02-18
Sinais De Fumo, 2004-01-29
Mobilidade, Segurança Infantil
Cidade Sem Carros E Mobilidade Sustentável, 2004-09-23
Segurança Infantil, 2004-07-27
Arte
Ruptura, 2004-06-14
Um Insulto, 2004-06-01
Ciência
Quando Deus Se Sente Só, 2005-01-04
A Consciência Dos Erros, 2003-12-03
Religião
A Lição Do Calvário, 2004-03-24
Jesus Cristo Esse Reaccionário, 2003-12-31
Filmes
Em Cima Do Muro (Adeus Lenine!), 2004-11-25
If Not Now Then When (Before Sunset), 2004-10-15
Arkibyo
O sítio web da Arkibyo é uma boa surpresa no panorama português. A equipa composta por um agrupamento de arquitectos jovens apresenta uma página de grande qualidade em que a animação não se sobrepõe de forma gratuita ao conteúdo, antes serve para construir uma experiência web de grande coesão visual. Um site de excelência com trabalhos expostos de grande qualidade, a entrar no directório directamente para a categoria de visitas imprescindíveis.
Nota: actualizado o Directório de Arquitectos Portugueses na Net com as entradas da Arkibyo e dos Ateliers De Santa Catarina.